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GAMASOT(가마솥): MIGRAÇÃO COREANA E MEMÓRIAS AFETIVAS
Bruno Bortoloto do Carmo – Analista de Pesquisa do Museu da Imigração
INTRODUÇÃO
“Vitrine do Acervo” é, talvez, um dos projetos do Centro de Preservação Pesquisa e Referência do Museu da Imigração (CPPR-MI) mais longevos que liga ações de Pesquisa, Preservação e Extroversão. Nascido com o nome “Vitrine do Mês”, visto ter inicialmente periodicidade mensal, sua ideia desde sempre foi a escolha de um objeto ou conjunto para aprofundamento de estudo dentro dos processos de migração ou deslocamento de determinado grupo. Com uma pesquisa aprofundada, as equipes podiam garantir a salvaguarda informacional, assim como sua melhor difusão.
No ano de 2024 escolheu-se privilegiar objetos da culinária coreana. Estes objetos foram, há um ano atrás, apresentados ao chef de cozinha coreano João Son. As informações existentes sobre esses acervos eram primárias – doador, material, data de fabricação, marca, etc. Alguns faltavam até informações básicas, como uso ou histórico geral do objeto. O evento, gravado no dia 08.03.2023, foi revelador e o chef trouxe informações valiosas para alavancar novas pesquisas sobre aqueles conjuntos.
A partir desse conteúdo, a Equipe de Pesquisa escolheu trabalhar com uma panela tradicional chamada gamasot (가마솥). Doação de Chung Hyun Cho, possui dimensões de 36x62cm (panela e tampa) e materiais descritos como “liga metálica de ferro”. Sua descrição é basicamente a seguinte: Panela de ferro, com base convexa, corpo arredondado com quatro alças laterais horizontais localizadas no centro do recipiente, com ornamento de duas linhas paralelas em alto relevo, possui tampa circular, com face superior convexa, com pega central cônico e ornamento de linhas paralelas em alto relevo. [1]
O chef João Son, ao se deter a este objeto disse, então, o seguinte:
Então, isso aqui já é segunda parte é gamasot, tá? Tá vendo aquela parte aqui? É que na verdade… é, último é. Eu fiquei assim – pombas – eu sou a última geração que eu cresci olhando isso aqui, tá? Novas gerações, quem nasceu em 1980 pra cima, pessoas não conhecem isso. Ainda bem que eu sou o último. Então, eu vi isso aqui, era funda… importante também entender… a Coreia do Sul… o ferro, minério de ferro, era farta, tá? Por incrível que pareça, aquela terra pequenininha tem bastante produção de ferro. Por isso, que, desde antigo a Coreia sempre usa palitinho, talheres, tudo de ferro. A gente não usa de madeira. [2]
Apesar de não ter preocupação apenas com esta panela, sua memória ativada ao olhar para o gamasot mostrou-se bastante sugestiva quando diz que foi a “última geração” que cresceu olhando para esta panela. Por que exatamente o chef diria que “cresceu olhando” para ela? Registros dão conta de sua importância para as cozinhas tradicionais coreanas, como se verá a seguir.
OBJETO DE COZINHA: HISTÓRIA E MÚLTIPLOS SIGNIFICADOS
Por meio de pesquisas com a palavra “gamasot (가마솥)” percebeu-se que, de fato, as Coreias são reconhecidas pela produção desse tipo de panela pela abundância de ferro na região. Segundo o site Encyclopedia of Korean Culture, ela é herdeira de uma panela chamada Jeong, utilizada na região desde a Dinastia Han (206 A.C. e 220 D.C). Desde então, seu uso sempre foi diverso como aquele descrito na atualidade: desde o preparo do arroz, a confecção de sopas e caldos até a fervura de água [3].
Entende-se a panela gamasot (가마솥) como elemento tradicional da cultura coreana e que evoca em pessoas mais idosas da comunidade sentimentos de nostalgia relacionados à memória alimentar por ser pouco usual na vida das grandes cidades contemporâneas. Na revista Koreana, escrita em inglês, uma matéria sobre um dos últimos fundidores de ferro da marca “Anseong" dizia que, até os anos 1950, cada casa coreana – desde a mais abastada até a mais simples – possuía não uma, mas vários gamasots de variados tamanhos. Cada um era reservado para uma finalidade: arroz, caldos, até ferver água.
[...] como outros tipos de negócios, foi influenciado por avanços tecnológicos. No bojo da The Saemaul Undong (새마을운동) ou Movimento Comunidade Renovada (uma ação governamental pelo desenvolvimento rural sul-coreano nos anos 1970), cozinhas rurais com grandes panelas de ferro fixadas em fogões à lenha começaram a ser substituídas por cozinhas modernas. [...] Além disso, prata niquelada e o aço inoxidável foram introduzidas nos anos 1960 e 1980, respectivamente, gradualmente substituindo a preferência pelas panelas de ferro.[4]
O uso de longa duração desse tipo de panelas com ferro fez com que a memória gastronômica daqueles que permaneceram na Coreia e daqueles que de lá saíram fosse a do alimento feito por meio delas. Talvez isso tenha feito com que a Cuckoo Eletronics Co. Ltda., importante marca de panelas elétricas e com predominância no mercado asiático, tivesse em seus presets o modo “GAMASOT rice”.
Em mestrado sobre Comunicação Intercultural na Universidade de Utrecht, na Holanda, Isa S. Lefering nos explica que o Gamasot é uma grande panela utilizada na Coreia e objeto reconhecível por toda comunidade [5]. É relevante salientar que a comida associa-se à memória das pessoas, tanto coletiva como individuais, e está presente em suas narrativas que às ligam intimamente aos alimentos. “Lembranças tornam-se o aspecto simbólico fundamental para que a vida dos seres humanos e dos alimentos seja trilhada junto, já que as reminiscências alimentares são fonte de conhecimento, de ideias, de conforto e de intimidade com a cozinha”. [6]
Em vídeo Daeyong Yi, que se apresenta como estudante de Estudos Coreanos (Korean Studies Department at Hankuk University of Foreign Studies), compartilhou em seu perfil do Youtube um trabalho de pesquisa sobre o gamasot preparado para este curso. Segundo a autora:
“Gamasot” são necessários para as cozinhas tradicionais coreanas e representativas da família. Quando uma [nova] família se estabelece ou se muda para uma nova casa, antes de mais nada colocam “gamasot” no fogão a lenha. É dito que, nesta prática, os membros da família que ali vivem juntos por longos períodos “comem hansotbab” ou “comem arroz do mesmo gamasot". [7]
A expressão “hansotbap (한솥밥)” significa literalmente “comer arroz da mesma panela”. Segundo depreende-se de dicionários idiomáticos coreanos, mesmo uma pessoa que não é membro da família, ao compartilharem arroz do mesmo gamasot, certamente estabelecerão um vínculo duradouro [8]. O gamasot seria, com isso, importante elo da hospitalidade da cultura tradicional coreana.
Tal tradição certamente teve efeitos nos movimentos migratórios internacionais da comunidade coreana. Quando a partir da década de 1960 chegaram aqui em São Paulo e estabeleceram o que é, hoje, a maior comunidade de imigração coreana no Brasil, teriam estes primeiros migrantes conseguido trazer gamasots para suas novas casas?
USO E ENTENDIMENTO DO GAMASOT PELA COMUNIDADE COREANA EM SÃO PAULO
Segundo pesquisas recentes, o Brasil possui uma população de coreanos e descendentes que gira em torno de 50 mil, sendo a grande maioria concentrada em São Paulo. [9] Essa comunidade é relativamente recente, constituída a partir dos anos 1960. As primeiras levas chegaram à cidade entre 1963 e 1966 e se concentraram principalmente no que se chamou de “Vila Coreana”, no bairro da Liberdade; foi apenas em meados dos anos 1970 que passaram a se instalar no Bom Retiro [10], local o qual possui uma das principais concentrações da comunidade no Brasil na contemporaneidade.
Este fato, portanto, fez com que uma visita ao Bom Retiro fosse indispensável para imersão na pesquisa sobre a panela gamasot. Foram feitas incursões a diversos restaurantes e cafeterias, tais como: Umiguan, localizado na rua Newton Prado n. 45; Butumak, localizado na rua Três Rios n. 209; e o Bom Bread Café, localizado no Shopping K-Square na rua Guarani n.266. Nesses lugares, conversou-se informalmente para se buscar ecos de memórias desse objeto de cozinha em representantes de diferentes gerações da comunidade coreana.
Em todos os locais visitados, ao se apresentar uma fotografia ou meramente mencionar o nome gamasot, uma memória afetiva era imediatamente acessada. Geralmente se relacionam com espaços rurais, fogões à lenha, ou então ao cheiro e sabor da comida feita nessa panela (principalmente o arroz). Assim como dito pelo Chef João Son em sua atividade “Encontros com o Acervo” em 2023, gerações mais antigas tendiam a ter mais memórias nostálgicas relativas à panela, apesar até mesmo os jovens reconhecerem o objeto enquanto representativo da cultura tradicional coreana.
Buscou-se, então, contatos que pudessem nos contar memórias afetivas de utilização do objeto. O primeiro, mais próximo da equipe do Museu da Imigração exatamente por conta de sua participação na atividade de 2023 foi o próprio João Son. Em um primeiro contato, o chef de cozinha contou que a panela gamasot é muito importante para a cultura coreana por estar ligado tanto à casa, como à família e também à cultura do arroz. Este objeto conectava-se à casa pois era o primeiro elemento a ser afixado na nova residência; à família pois – por seu preço considerável – era, geralmente em famílias de menor poder aquisitivo, passada de mãe para filha; por fim, à cultura do arroz, pois ligava-se à uma memória afetiva e nostálgica da comunidade de um arroz feito em recipiente de ferro e com gosto particular.
Em entrevista no dia 17.07.2024, João Son contou aos pesquisadores do Museu da Imigração que morou em Seul até 1984, quando emigrou para o Brasil com onze anos. Apesar de morar na Capital da Coreia do Sul e em região já amplamente urbanizada, o entrevistado disse que viajava sempre para o interior, onde seus avós possuíam uma casa. Nesse local, conviveu com a cultura dos gamasots.
Olha, eu venho de uma família onde meus pais viviam nessas cidades do interior da Capital de Seoul. E lá tinham as casas – como a casa da minha avó – enorme. E dentro dessa casa, cozinha era reservado, o lugar separado, e que dentro dessa...como vinham famílias sempre cheia... arroz dentro dessa gamasot. Ou é feito de canja, ou é feita de... faz arroz, próprias sopas e carnes, o que sempre tinha era enorme pra ser compartilhado com a família.[11]
Também buscou-se contato com pessoas próximas à primeira geração de chegados ao Brasil, nos anos 1960 e 1970. Por meio da senhora Lisa Um, importante elo de articulação pessoas da comunidade coreana no Bom Retiro, foi estabelecido importante ponto de conexão com possíveis depoentes que tivessem memórias contundentes do uso da panela. Sua indicação de Young Hi Baek Kim (que apresentou-se à equipe como Dona Laura) foi de grande ajuda: chegada em São Paulo em 1966, sua mãe trouxe na bagagem para o Brasil um gamasot. Ao ser questionada se possuía memórias dessa panela de ferro, prontamente respondeu aos pesquisadores:
Eu tenho, sim. Porque, na Coreia a cozinha, assim, tem butumak(부뚜막), feito com barro e em cima coloca cimento... aí tem as aberturas que coloca gamasot. Tem família que tem uma, na minha casa tinha duas gamasots: um grande e um menor. Aí no lateral coloca fogo, lenha, fazia fogo de lenha. E essa lenha não deixava apagar, porque outro dia usava novamente. E nesse gamasot, um fazia arroz pra número de família, né? Depois, outro gamasot fazia sopa. E... eu não me recordo quanto tempo teria que esperar pra ficar pronto o arroz, mas quando ficar pronto ela jogava um pinguinho de água, e água borbulhava rápido e desaparecia, então ela sabe que arroz tá pronto, né? Aí passava com um pano... aí abria e vinha aquele cheiro de arroz gostoso... e ela tirava de acordo com o número de família. Chama Babgurub (밥그룹), potinho de arroz que tem tampa. Então pai, filho mais velho, segundo filho, filha mais velha e ela por último. [12]
Os depoimentos se entrelaçam em muitos momentos e possuem possibilidades analíticas que permitem entender a importância da panela de ferro gamasot para a cultura rural coreana e a força de sua memória afetiva mesmo em duas gerações migracionais tão distintas. João Son contou à equipe de pesquisa que o gamasot peculiar, pois não se encerra apenas no utensílio em si, sendo uma parte importante das casas rurais nas Coreias. Segundo o depoente, as cozinhas ficavam do lado de fora, e as casas eram construídas de forma a ficarem suspensas cerca de um metro ou metro e meio do solo.
Chef Son – Olha, o gamasot é uma peculiaridade porque a própria cozinha coreana fica do lado do quarto principal. E, geralmente, ele é um lugar um pouco fundo porque a própria casa são elevadas de pelo menos um metro pra evitar enchentes, as umidades que sobem do solo. Então, com isso, a cozinha é do lado e as vezes é um pouco funda – tipo, um metro, cinquenta centímetros no solo – aí essa cozinha é... usando a lenha, ele aquece não somente pra cozinhar essas panelas, mas também aquece o quarto, que no inverno chega a facilmente menos vinte, trinta graus. [13]
O ondol (온돌), também conhecido como sistema de aquecimento da casa nas Coreias, era diretamente ligado ao butumak (부뚜막), fogão onde apoiava-se o gamasot e mantinha-se a chama acesa para os tempos de frio. Ainda segundo João Son, quando uma casa nova constituía-se, um pouco da chama viva da casa antiga era levada junto com o gamasot, dando continuidade à vida no novo lar.
Dona Laura contou aos pesquisadores que sua família trouxe no movimento de migração, entre seus pertences, um gamasot para o Brasil. Sua família foi encaminhada para uma fazenda chamada Santa Maria, no Paraná, onde pouco ficaram por lá, até decidirem vir à São Paulo. No entanto, uma tia permaneceu na região rural do Paraná, manteve o gamasot, montou um fogão butumak e produzia seus próprios fermentados de soja tradicionais coreanos, como gochujang (고추장), doenjang (된장) e ganjang (간장).
Laura – Trouxemos. Mas a gente veio imigração, não na mala, nós não viemos de... nós viemos pra Brasil de navio. Então, podia trazer volumes grandes... panelas, todos utensílios da casa, né? E a gente trouxe um gamasot bem grande e nós fomos pra fazenda do Santa Maria, no Paraná. De lá... mas não chegou a usar, nós, porque a gente não tinha experiência no agricultura, né? Trabalho na roça. Não tinha, aí a gente veio pra São Paulo, né? Agora, a gente deixou esse gamasot na fazenda, minha tia que morou lá e ela usou esse. Ela botou butumak(부뚜막), aí ela fazia feijão de soja pra meju (메주). E esse meju serve pra gochujang (고추장), doenjang (된장), ganjang (간장), essas coisas, né? Ela usou bastante, depois. [14]
Ambos os entrevistados tem memórias afetivas relativas ao preparo do Bap (밥), o arroz coreano, feito no gamasot. O sabor, unido à reminiscências do cheiro da lenha e vida no campo são elementos compartilhados, fazendo com que a técnica de cocção na panela de ferro tradicional coreana seja considerada forte aglutinadora da cultura de migrantes internacionais coreanos.
Laura – Ah... é, muito gostoso, é muito diferente, como agora tá fazendo na panela de elétrico, né? Isso feito com fogo, lenha, que você usava... você fazia as coisas pelo cheiro, pelo tato, então comida era diferente. E também, tem muito carinho da mamãe, né? Levantava cedo, cinco horas, quatro horas da manhã, fazia arroz pra gente sair da casa sete horas da manhã pra ir na escola ou trabalhar, né? Então era de família, unida. E aquele carinho da mãe que tinha. [15]
A experiência de João Son como Chef de cozinha fez com que sua percepção vá além das memórias afetivas, pois nota uma necessidade contemporânea do paladar daqueles que migraram da Coreia com relação ao sabor do arroz buscado. A construção cultural do gosto e sabor faz com que coreanos não se adaptem a panelas elétricas de arroz, levando ao próprio Chef em seu restaurante utilizar equipamentos que, de alguma forma, se ligam às reminiscências afetivas do alimento cozido no gamasot.
O que acontece? Essa panela chamada gamasot é feita de ferro, depois a gente descobriu que, realmente, o sabor dele é muito melhor do que feito de outros materiais como alumínio, ou ferro inox, o que seja. Então essa tecnologia, como é passado de gerações pra gerações, ultimamente os coreanos estão usando mais panelas de arroz elétrica à pressão. É muito fácil, é só colocar arroz, vai, aperta o botãozinho e pronto. Mas, como essa tecnologia gamasot permanece, as empresas desenvolveram fazer a própria panela de... elétrica, mesmo que seja elétrica, que seja mais parecido com esse gamasot. Então, por isso que os coreanos já percebem logo essa panela... “esse arroz feito de uma panela elétrica coreana”; se for feito de outro país, a gente já percebe na hora.[16]
Vale notar, ainda, que as memórias de Dona Laura também se direcionam à outros preparos do bap (밥), consequências diretas da cocção do arroz no gamasot. Por se tratar de uma panela de ferro, o arroz ali cozido acabava por queimar o fundo, dando como resultado o nurundji:
Tirava e aí ficava uma camada de arroz, assim, grudado amarelo, chamado nurungji (누룽지). Esse nurndji, se tiver crianças pequenas, tira um pouquinho pra comer mais tarde como se... hm... gansik (간식) que chama. E... ou, no final do refeição do arroz, a gente jogava água e fazia chá de nurungji. É uma delícia. Ajuda, uma digestão melhor. [17]
Por fim, ao ser questionada se gostaria de acrescentar mais algo ao depoimento do gamasot, Dona Laura disse à equipe de pesquisa se lamentar por não possuir mais a panela que sua mãe trouxe da Coreia nos anos 1960:
Laura – Agora que passou muito tempo no Brasil, a gente deixou gamasot na fazenda, minha tia faleceu, a gente não sabe paradeiro disso. Mas agora sinto muito, isso podia ter preservado como se fosse uma lembrança da família, tudo, né? Que, agora que tem um pequeno sítio, poderia colocar gamasot pra fazer muita coisa, né? Mas não deu. A gente perdeu o contato do gamasot. Minha tia faleceu, né? [18]
Tal declaração reforça a importância de esforços preservacionistas do gamasot que integra o acervo do Museu da Imigração. Sua importância para a memória dos movimentos migrantes coreanos para o Estado de São Paulo mostra-se como forte elo afetivo com origens de um passado rural, além de se conectar com gerações posteriores por meio da construção social do sabor do arroz e reminiscências afetivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como disseram BUITONI e MANDELBAUM (2019), lembranças constituem-se em elemento simbólico fundamental para que a vida das pessoas e alimentos sigam caminhos semelhantes; tais “reminiscências alimentares são fonte de conhecimento, de ideias, de conforto e de intimidade com a cozinha” [19]. Objetos de cozinha, portanto, carregam consigo diversas memórias afetivas de suas comunidades em seus processos de migração, seja lembranças país de origem, formas de fazer, cheiros, gostos, etc. O gamasot, portanto, pode ser considerado como reforço identitário de um grupo, pois constituem-se como símbolo de integração e fortalecimento da comunidade.
Parte integrante de uma arquitetura rural das Coreias e presente nas reminiscências de pessoas que lá conviveram até a década de 1950 e 1960, os gamasots são um importante elo da cultura tradicional coreana que perdurou por diversas gerações de migrantes internacionais no Brasil. O material específico (ferro), seu uso em fogão à lenha, o sabor diferente – principalmente, mas não só – do Bap (밥, o arroz coreano) feito neste recipiente conecta diferentes integrantes da comunidade ao simplesmente mencionar seu nome em uma conversa informal.
Partindo do pressuposto de que a Equipe de Pesquisa do Museu da Imigração precisava de um único objeto que ajudasse a representar a Imigração Coreana no projeto “Vitrine do Acervo” do ano de 2024, a escolha do gamasot não poderia ser mais acertada. Seu estudo verticalizado permitiu o entendimento de um importante catalisador de memórias afetivas gastronômicas assegurando, assim, um potente instrumento para preservação e difusão deste objeto do acervo museológico.
- Imagem de abertura: Gamasot em exposição no projeto Vitrine do Acervo/ Museu da Imigração.
REFERÊNCIAS
[1] Ficha do Objeto MI00335. Acervo Museu da Imigração de São Paulo.
[2] Chef João Son. Encontros com Acervo, 00:08:49 – 00:14:32, 2023. Acervo Museu da Imigração de São Paulo.
[3] Encyclopedia of Korean Culture. 가마솥. https://folkency.nfm.go.kr/topic/detail/9798?pageType=search&keyword=%EA%B0%80%EB%A7%88%EC%86%A5
[4] Do original [...] like any other business, was influenced by technological advances. As the New Community Movement [a government-initiated community development campaign in the 1970s] was carried out nationwide, triggering modernization of people’s living environment, old kitchens with large iron pots affixed to wood-burning stoves began to be replaced with modern kitchens. [...] To top it off, nickel silver was introduced in the 1960s, and then stainless steel in the 1980s, so the heavy, cumbersome iron pots gradually fell out of favor.”GUARDIAN OF HERITAGE A Hundred Years Melded into Anseong’s Famed Cast Iron Pots
https://www.koreana.or.kr/koreana/na/ntt/selectNttInfo.do?mi=1069&nttSn=51225&bbsId=1115&langTy=KOR
[5] LEFERING, Isa S. ‘KOREANNESS’ IN THE NETHERLANDS: A Linguistic Landscape analysis of online menus from Korean restaurants in Amsterdam and Rotterdam. Mestrado em Comunicação intercultural, Universidade de Utrecht, 2023-2024. Disponível em: https://studenttheses.uu.nl/bitstream/handle/20.500.12932/46395/Final_LEFERING_Isa_9956387_MAICC.pdf?sequence=1&isAllowed=y
[6] ALTOÉ, Isabella; AZEVEDO, Elaine de. Entre ingredientes, cozinhas e afetos: aspectos socioculturais de uma vida dedicada à comida. Revista do Laboratório de Estudos Históricos das Drogas e da Alimentação LEHDA - USP (Revista Ingesta), São Paulo - V2. N1 - set. 2020.
[7] Do original: "Gamasot" are necessary for korean traditional kitchens and representative of family. When some family estabilishes a residence or moves into a new house, first of all they hang the "gamasot" on the wood-burning stove. In this kind of practice, it is said that family members or people who live together for a long time are "eating hansotbab" or "eating rice the same gamasot". YI, Daeyong. GAMASOT. Korean Studies Department at Hankuk University of Foreign Studies, 00:00:39 – 00:01:06, 2014. Disponível em: https://koreanfolklore.wordpress.com/2014/11/21/gamasot/
[8] https://www.hapskorea.com/10-second-korean-hansotbap/
[9] BUITONI, Marísia Margarida Santiago; MANDELBAUM, Henoch Gabriel. OS IMIGRANTES COREANOS NA REMODELAÇÃO DO BAIRRO DO BOM RETIRO, NA CIDADE DE SÃO PAULO - SP: TRANSFORMAÇÕES, VIDA COMUNITÁRIA E TERRITORIALIZAÇÕES. 14º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia Políticas, Linguagens e Trajetórias, 2019. Disponível em: https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/anais14enpeg/article/download/2917/2780/12878. Acesso em: 15 jul. 2024.
[10]T RUZZI, Oswaldo. Etnias em convívio: o bairro do Bom Retiro em São Paulo. Revista Estudos Históricos, 2001 – n.28. Disponsível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4296190/mod_resource/content/1/truzzi.pdf. Acesso em: 15 jul. 2024.
[11] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por João Jung Soo Son. Data: 17.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[12] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por Young Hi Baek Kim (Dona Laura). Data: 18.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[13] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por João Jung Soo Son. Data: 17.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[14] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por Young Hi Baek Kim (Dona Laura). Data: 18.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[15] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por Young Hi Baek Kim (Dona Laura). Data: 18.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[16] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por João Jung Soo Son. Data: 17.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[17] No vídeo-documental “Cooking Vision – O segredo do sabor do arroz do gamasot” (요리비전 - 가마솥 밥맛의 비밀), gravado em 05 nov. 2013, é possível ver entre os minutos 24:07 e 24:54 o nurundji e o consequente chá de arroz queimado mencionado por Dona Laura. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Pzm2JdDYCf8&t=1447s&ab_channel=EBSCulture%28EBS%EA%B5%90%EC%96%91%29. Acesso em:19 jul. 2024.
[18] Entrevista cedida para o Projeto “Vitrine do Acervo” por Young Hi Baek Kim (Dona Laura). Data: 18.07.2024. Pesquisadores: Bruno Bortoloto do Carmo e Marci Jean Pereira Santana. Acervo Museu da Imigração.
[19] BUITONI, Marísia Margarida Santiago; MANDELBAUM, Henoch Gabriel. OS IMIGRANTES COREANOS NA REMODELAÇÃO DO BAIRRO DO BOM RETIRO, NA CIDADE DE SÃO PAULO - SP: TRANSFORMAÇÕES, VIDA COMUNITÁRIA E TERRITORIALIZAÇÕES. 14º Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia Políticas, Linguagens e Trajetórias, 2019. Disponível em: https://ocs.ige.unicamp.br/ojs/anais14enpeg/article/download/2917/2780/12878. Acesso em: 15 jul. 2024.