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Projeto de História Oral: Diásporas Brasileiras
Marci Jean Pereira Santana - Analista de Pesquisa
Bruno Bortoloto do Carmo – Analista de Pesquisa
PROJETO DE HISTÓRIA ORAL – DIÁSPORAS BRASILEIRAS
No mês de maio de 2024, a Equipe de Pesquisa do Museu da Imigração iniciou mais um Projeto de História Oral intitulado “Diásporas Brasileiras”. O objetivo central deste projeto é incorporar a experiência de deslocamento de pessoas de origem brasileira ao acervo da instituição, registrando e documentando trajetórias pessoais que se desdobram em reflexões particulares desse capítulo recente das Migrações Internacionais.
Desta forma, com este artigo pretendemos apresentar as problemáticas que nos guiarão na busca por entrevistados pertencentes a estes movimentos migratórios brasileiros. Escolhemos quatro países de destino – Japão, Portugal, Estados Unidos e Paraguai; estes destinos, assim nos pareceu pela documentação estatística disponível, são os principais buscados por nacionais em seus projetos de vida fora do país. Com isso, apresentaremos neste artigo, em linhas gerais, um panorama migratório dos deslocamentos para estes locais.
Boa leitura!
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A imagem do Brasil é historicamente ligada à de um país receptor de migrantes. Desde a abertura dos portos às nações amigas em 1808 e a elevação do território brasileiro à Reino Unido a Portugal e Algarves em 1815, pessoas de diversas partes do mundo buscaram o país. Esses fluxos aumentaram quando a cafeicultura se espalhou pelo sudeste brasileiro. Das pessoas que vieram ao país em busca de novas perspectivas, muitas se fixaram e estabeleceram fluxos intermitentes de comunidades migrantes em diversas partes do país.
Essas conexões são, sem dúvidas, uma via de mão dupla. Ao longo do século XX o Brasil também estabeleceu conexões com o exterior e, por vezes, segundas ou terceiras gerações de brasileiros descendentes de migrantes internacionais buscaram os países de origem de seus pais e avós. Além disso, outros fatores viriam a fazer com que brasileiros buscassem outras formas de vida no exterior, sejam eles momentos de depressões econômicas, perseguições políticas, etc.
Entretanto, é consenso nos estudos do que se entende por “Diáspora Brasileira” que o país se tornou oficialmente um país de emigração a partir da década de 1980. Entre as diversas motivações que impulsionaram diversos brasileiros e brasileiras para o exterior, talvez uma das mais marcantes do período tenham sido as crises sucessivas econômicas que marcaram o fim da Ditadura Civil-Militar e os primeiros governos civis na passagem para a década de 1990.
As décadas de 1980 e 1990, portanto, servem de marco para a história da presença de brasileiros em países como Estados Unidos, Portugal, Reino Unido e Japão. Em alguns centros urbanos desses países, surge uma organização baseada em redes de solidariedade, apoio e sociabilidade, moldando o que poderia ser chamado de comunidade de brasileiros nessas localidades.
No Museu da Imigração, essa temática foi suscitada no âmbito de uma instalação na Exposição de Longa Duração – “Migrar: experiências, memórias e identidades”. Apresentou-se em 2022 uma sala que nasceu por meio da consulta e escuta de diferentes atores sociais. Nessa instalação, denominada “Migrar: inquietações, perguntas e possibilidades”, apresenta-se dados baseados em estudo do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra) - Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e Universidade de Brasília (UnB). Estes dados destacam que, para os 1,3 milhões de migrantes internacionais que viviam no Brasil em 2021, registraram-se 4 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil.
Esta sala marcou o desejo e preocupação do Museu da Imigração em trabalhar com a temática da Diáspora Brasileira, notadamente uma lacuna dos esforços de pesquisa e preservação da instituição.
Então esse projeto de história oral sobre a Diáspora Brasileira tem como ponto de partida a necessidade de incorporar ao acervo relatos pouco conhecidos de pessoas que saíram de um país supostamente receptor de migrantes, o Brasil. Acessando experiências e reflexões de pessoas brasileiras, o projeto de história oral contribuirá não somente para corrigir uma lacuna existente na história das migrações, mas também abrir novos caminhos para o colecionismo do contemporâneo nas migrações.
O tema diáspora brasileira é entendido como uma lacuna do Museu da Imigração desde que não foi considerado em seu Plano Museológico de 2020. Em vista desta preocupação, a Equipe de Pesquisa do Museu da Imigração do Estado de São Paulo tem em seu horizonte nos próximos anos conectar-se com atores que participaram desse momento recente da História das migrações no Brasil. Por isso, o registro e sistematização dessas memórias será objeto deste projeto.
O esforço de entender melhor o processo emigratório no Brasil encontra respaldo no conceitualização de diáspora uma vez que entendemos que este conceito abrange a realidade deste processo. Alguns paradigmas do conceito de diáspora (Butler e Domingues, 2020) que dizem também respeito ao processo migratório que se visa estudar são: dispersão migratória por vários lugares, relacionamento dos migrantes com a terra de origem, identidade coletiva/comunidade transnacional e existência do processo migratório ao longo de gerações.
No que concerne à dispersão por diferentes lugares, vemos em estudo da OMI (2022)[1] que há brasileiros em diferentes continentes e regiões, tais quais: África, América Central e Caribe, América do Norte, América do Sul, Ásia, Europa, Oceania e Oriente Médio. E que Estados Unidos, Paraguai, Japão, Reino Unido, Portugal e Itália, são países que as estimativas de brasileiros chegam ou ultrapassam a casa dos 100 mil.
No que se concerne a relação com a terra de origem, podemos notar no mesmo estudo alguns acontecimentos e dados que demonstram isto, como: o envio em 2015 de uma remessa de US$ 2,46 milhões para o Brasil, o lançamento do Programa de Apoio aos Brasileiros no Exterior em 1995, a aquisição de dupla cidadania e ainda fora do estudo mas de conhecimento geral, a possibilidade de voto para a eleições no Brasil.
Desta forma, este Projeto de Pesquisa visualizando o “Museu da Imigração como espaço de produção de material técnico de excelência e referência no campo dos museus e da Museologia, especificamente no campo das instituições museológicas que versam sobre temas relativos à história, migração, cidade e direitos humanos.”[2] ; intenta buscar produzir um conhecimento sobre a diáspora brasileira. Este conhecimento encara as suas especificidades ao ter como método a História Oral, ferramenta já basilar do MI ao longo da sua história e utilizada em outros projetos correntes como “Migrações Internas” e “Deslocamentos Indígenas e Negros”.
DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA
Os estudos de diáspora podem seguir diferentes caminhos e escolhas temáticas, como uma abordagem geográfica ou das relações sociais (Butler e Domingues, 2020). No primeiro momento deste projeto teremos como norte uma divisão geográfica entre quatro países: Estados Unidos, Portugal, Japão e Paraguai. A escolha deu-se não só por meio do número absoluto de pessoas com passaporte brasileiro, mas também a relevância histórica da comunidade e representatividade em comparação aos números gerais de migrantes internacionais do país de destino.
Os Estados Unidos são o principal destino buscado por migrantes internacionais brasileiros. A América do Norte reunia, em 2022, cerca de 2 milhões de brasileiros, aproximadamente 45% dos migrantes internacionais saídos do país em relação aos outros destinos[3]. Além disso, historicamente, os Estados Unidos foi o primeiro país que recebeu um contingente de brasileiros relevante, ainda nos anos 1960. No entanto, notadamente o grande fluxo de migrações iniciou-se em fins da década seguinte, tendo como principal destino a região da cidade de Boston, no Estado de Massachusetts[4].
A relação entre Brasil-Portugal é, obviamente, histórica. Não só remontando à colonização, mas principalmente no momento pós-independência e subsequente formação do Império Brasileiro grandes fluxos de migrações internacionais fizeram com que portugueses de diversas regiões se instalassem nos principais núcleos urbanos do Brasil. O trânsito inverso também foi bastante intenso, sendo conhecidos os fluxos de “brasileiros de torna viagem dos oitocentos” [5], assim como cidades em Portugal marcadas pela arquitetura e cultura desses retornados[6].
No entanto, nos últimos 50 anos, o número de brasileiros em regiões como Lisboa e Algarve aumentaram consideravelmente. Atualmente, são cerca de 360.000 pessoas vindas do Brasil em Portugal, representando cerca de 32% da população total de imigrantes no país europeu [7].
A comunidade japonesa no Brasil possui laços de mais de um século, tendo iniciado com a primeira leva de pessoas chegadas para o Estado de São Paulo em 1908. Ao longo do século passado, diversos fluxos inversos foram mantidos que, no entanto, se intensificaram dos anos 1980 em diante. Historicamente, o destino mais comum foram as fábricas da região Chubu [8]. Atualmente, cerca de 200 mil brasileiros estão presentes em cidades japonesas, sendo o Consulado Geral de Nagoia o maior, com cerca de 60% do total de registros. Além dessa região, a de Shizuoka-ken também deve ser levada em conta, tendo recentemente recebido grande fluxo de brasileiros e com comunidade relevante na cidade de Hamamatsu [9].
No caso do Paraguai, este país é o maior em número de brasileiros se tratando da América do Sul. Os números de 2022 mostram que a presença brasileira neste país chega a 254.000 pessoas [10]. É também o Paraguai, o país considerado marco inicial do deslocamento internacional brasileiro: “O ponto de partida da emigração brasileira é estabelecido na década de 1970, quando os chamados “brasiguaios” cruzaram as fronteiras do vizinho Paraguai em busca de terras, impulsionados por incentivos do governo paraguaio” [11] Esta relação com a terra em países vizinhos, se mantêm até hoje como aponta o referido estudo da OIM, que sinaliza na atualidade “[...] o trabalho na agricultura relacionado à plantação de soja no Paraguai [...].” [12] Porém a presença brasileira no país vizinho não está restrita ao trabalho com a terra, outros setores também se sobressaem, como é o caso do ensino superior privado mais acessível e do campo empresarial com incentivos fiscais e maquilas [13].
Vale ressaltar que o Paraguai está em números quantitativos estimados, como sendo o terceiro país que mais possui brasileiros no mundo, ficando atrás dos EUA e de Portugal [14].
Essa divisão geográfica entre estes países se reflete no planejamento deste projeto, uma vez que se prevê uma primeira fase que se inicia neste ano de 2024 indo até o segundo semestre de 2026. Desta forma, haverá um compartimento de entrevistas para cada país dentro de determinada quantidade de quadrimestres, levando também em conta o tempo necessário para se atentar minimamente a realidade que cada país trará aos esforços que se relacionam a feitura do questionário e preparação prévia da pessoa entrevistadora.
Referências
[1] ORGANIZAÇÃO Internacional das Imigrações (OIM). Empoderando a Diáspora Sul-Americana como agende de desenvolvimento sustentável. 2022. Disponível em: <https://brazil.iom.int/sites/g/files/tmzbdl1496/files/documents/brasil-empoderando-diaspora.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2024.
[2] MUSEU da Imigração. Plano Museológico, 2020, p. 26. Disponível em: . Acesso em: 4 mar. 2024.
[3] MINISTÉRIO das Relações Exteriores. Secretaria de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos. COMUNIDADES BRASILEIRAS NO EXTERIOR – Ano-base 2022. Agosto de 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/comunidade-brasileira-no-exterior-2013-estatisticas-2022>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[4] MINISTÉRIO das Relações Exteriores; LIMA, Álvaro Eduardo de Castro e. BRASILEROS NOS ESTADOS UNIDOS: meio século (re)fazendo a America (1960 – 2010). Brasília: FUNAG, 2017. Disponível em: <https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-327-brasileiros_nos_estados_unidos_meio_seculo_re_fazendo_a_america_1960_2010_>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[5] SANTOS, Eugénio. Os Brasileiros de Toma-Viagem no Noroeste de Portugal. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/53996/2/eugeniodossantosbrasileiro000121186.pdf>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[6] FUNDAÇÃO Casa de Rui Barbosa. Exposição “Fafe dos “brasileiros”: heranças e memórias”, 2017. Disponível em: <https://www.gov.br/casaruibarbosa/pt-br/centrais-de-conteudo/noticias/2017/xposicao-201cfafe-dos-201cbrasileiros201d-herancas-e-memorias201d>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[7] ALMEIDA, Joana. Imigrantes representam 5,2% do total da população residente em Portugal, 19 dez. 2022. Disponível em: <https://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/imigrantes-representam-52-do-total-da-populacao-residente-em-portugal>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[8] OCADA, Fábio Kazuo; OLIVEIRA, Maria Luiza Amado Belo. O trabalho precarizado entre migrantes retornados do Japão: o caso do municípiode Marília/SP. Lutas Sociais, 24(44), 63–76. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/52219/34421>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[9] STRANGA, Isabella. Cônsul-Geral em Hamamatsu fala sobre a presença brasileira no Japão. 14 jan. 2024. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2024/01/6786119-consul-geral-em-hamamatsu-fala-sobre-a-presenca-brasileira-no-japao.html>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[10] MINISTÉRIO das Relações Exteriores. Secretaria de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos. COMUNIDADES BRASILEIRAS NO EXTERIOR – Ano-base 2022. Agosto de 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/comunidade-brasileira-no-exterior-2013-estatisticas-2022>. Acesso em: 5 mar. 2024.
[11] ORGANIZAÇÃO Internacional das Imigrações (OIM). Empoderando a Diáspora Sul-Americana como agende de desenvolvimento sustentável, 2022, p. 3. Disponível em: <https://brazil.iom.int/sites/g/files/tmzbdl1496/files/documents/brasil-empoderando-diaspora.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2024.
[12] ORGANIZAÇÃO Internacional das Imigrações (OIM). Empoderando a Diáspora Sul-Americana como agende de desenvolvimento sustentável, 2022, p. 24. Disponível em: <https://brazil.iom.int/sites/g/files/tmzbdl1496/files/documents/brasil-empoderando-diaspora.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2024.
[13] CARMO, Maria. Por que tantos brasileiros estão se mudando para o Paraguai. BBC, 18 de Abril de 2023. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/articles/c5181je4plvo>. Acesso em: 03 de Abril de 2024.
[14] MINISTÉRIO das Relações Exteriores. Secretaria de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos. COMUNIDADES BRASILEIRAS NO EXTERIOR – Ano-base 2022. Agosto de 2023. Disponível em: <https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/comunidade-brasileira-no-exterior-2013-estatisticas-2022>. Acesso em: 5 mar. 2024.